quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Prosa - Al Berto

“Esperar que teus olhos se pousem nos meus. Esperar que a chuva pare e tu irrompas na claridade das nuvens abatidas sobre o mar. Esperar um gesto, uma palavra que faça o corpo mover-se em direção a ti. Mesmo que eu o não deseje. Mesmo que o mundo desabe nos lábios sobre os lábios. E nenhuma palavra seja possível tornar-se à flor da saliva. Amo-te, se era isso que querias ouvir dizer. Amo-te no silêncio e no medo de despertar em mim as palavras que tu entenderás. E me comprometam, e me desarmam. Amo-te vagarosamente. Peço-te, dá-me Tempo para que as palavras se formem e tomem sentido, se organizem de modo a serem fala simples e imediata dá-me tempo para reconhecer meu corpo esquecido algures na treva duma memória que eu tento esvaziar. Dá-me Tempo para aperceber de novo a falsidade dos espelhos, e de novo construir a minha sombra, o meu reflexo, a minha solidão. Dá-me Tempo, Tempo infinito para que a voz cresça e se transforme em canto. Tempo, quero Tempo, para redescobrir a dor.”

Al Berto, Diários


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