quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

O inesperado


Próxima da utopia, a felicidade tangível é fraccionada. 
Estar feliz, não é o mesmo que ser feliz. 

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

A tormenta que há em mim


Sou uma sombra do que já fui. Ando de alma adormecida, num estado catatónico, sonhando que sou tudo e na realidade nada sou!

Vivo a sonhar com o desejo esvaecido, de ser desejada e quando o alcanço, questiono a sua veracidade, a sua real presença, acreditando que é mera ilusão e que só existe na minha mente e que é algo projetado, inusitado e que por vezes se reflete numa alma carinhosa, que me concede um momento de ternura.

Se há momentos em que a ilusão me foge toda eu sou racional e a minha procura arrefece, esmorece e descrê no amor eterno.

Eu quero fugir, fugir, fugir!

Busco o isolamento que me vai clarificar as ideias, fugindo do bem, do mal e de mim mesma.

Habitam em mim as sombras da mágoa, a névoa da tristeza, as brumas da carência, os fantasmas da negação num murmúrio incessante e imemorial que se prende nas lianas da memória e que me ditam um destino, que eu sei, me está traçado. Uma solidão anunciada, uns ais que me estão reservados e que me dilaceram o coração e a alma.

Estou exausta de sentimento. Os meus sonhos são quimeras que se desvanecem como um feixe de luz que o sol exala, no seu último suspiro.

Quero cair no esquecimento, afogar as mágoas que me atormentam, levá-las comigo, enterra-las num vazio profundo insondável, imperscrutável, onde ninguém as pode encontrar. Abandoná-las, dotá-las ao desapego de mim.


Quero ser livre sem ter nada a perder. 

terça-feira, 29 de novembro de 2016

“Langor – estado subtil do desejo amoroso, experimentado na falta deste, sem nenhum querer – possuir.”


À espera que me venhas salvar de mim mesma. Tu, que eu invento no âmago de mim, que conheço como a palma da minha mão, que sei como satisfazer, sei do que precisas e quando precisas. Sei-te de uma forma nossa, intima, inquestionável e inequívoca.

Quero-te com urgência, quero apoderar-me desse teu jeito delicodoce e submeter-te à minha vontade.

Quero sugar-te toda a sensualidade que me mostras quando me olhas com esse teu jeito meigo e afável.

Quero destituir-te do teu tom enigmático e desvendar-te até ao mais ínfimo pormenor.

Quero abalroar as tuas certezas e fazer oscilar a tua segurança.

Quero dissecar-te com palavras, fazer-te elaborar um discurso, entre risos e beijos, fomentar, instigar e arrebatar toda essa sensualidade, desfazendo-te os nós da timidez.

Quero-te como amante intelectual, quero-te como amante de corpo efervescente e de pele que se funde na minha, quero o deleite de entrelaçar os meus dedos nos teus, fustigar-te com carinho, descer ao abismo que há em ti, mergulhar no teu lado sombrio, descortinar os teus pragmatismos, aniquilar afasias indolores num só gesto, quero enlear a minha alma na tua no mais puro ato de fé e devoção.

O teu nome é o perfume exalado em mim, o teu brilho é a estrela que me guia, a tua ausência é ardência em mim.

Quero-te, Zi. A ti e só a ti.

Quero-te uma e outra vez. Quero purgar este langor em que me prendes e suprimi-lo nos gestos angulosos do teu corpo.

Quero sussurrar aquilo que mais gostas de ouvir.

Quero semear em ti, o que há de bom em mim.

Quero que as tuas partidas tenham em mim, todas as chegadas para que juntas, possamos percorrer todas as ruas antigas da cidade, entrelaçando os dedos e demonstrando ao mundo o nosso amor, a nossa empatia e cumplicidade.

Quero pavonear-me contigo, quero que nos olhem e nos detetem a felicidade que, juntas arrastamos por onde passamos.

Quero repetir o amor que fazemos, as horas que inventamos, o brilho que polimos em nós, os gestos de quem se abandona ao afeto e cultiva afeto.

A tua ausência é o tempo em que te espero.


A nossa relação é assim...

*- Tu não és a filha que eu gostava que fosses.

#- Tu não és a mãe que eu gostaria de ter.

sábado, 12 de novembro de 2016

Reservada - eu


Pediste-me uma revelação, querias algo único, querias que me partilhasse.
Pareceu-me mais, que pretendias ouvir de mim uma resolução, algo que não fosse exclusivamente meu, mas que te incluísse nalgum contorno daquilo que há de teu em mim.

Não me revelo. Não me podes perscrutar.

E se eu te revelasse algo que te afastaria de mim?! Algo com o qual não soubesses lidar? Algo a que o teu pensamento ficaria preso, subjugado a considerações que te levariam a ponderar o pouco que ainda ignoras em mim?

As revelações podem ser um meio de tornar as pessoas cúmplices e mais próximas, porém, podem também ser um gume de afastamento e de acautelamento imediato.

Depois disto, ficarás a pensar que género de revelações guardo em mim e que relutância é esta, que me impede de partilhar abertamente?


Não é o momento… (ainda)

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Prosa - Al Berto

“Esperar que teus olhos se pousem nos meus. Esperar que a chuva pare e tu irrompas na claridade das nuvens abatidas sobre o mar. Esperar um gesto, uma palavra que faça o corpo mover-se em direção a ti. Mesmo que eu o não deseje. Mesmo que o mundo desabe nos lábios sobre os lábios. E nenhuma palavra seja possível tornar-se à flor da saliva. Amo-te, se era isso que querias ouvir dizer. Amo-te no silêncio e no medo de despertar em mim as palavras que tu entenderás. E me comprometam, e me desarmam. Amo-te vagarosamente. Peço-te, dá-me Tempo para que as palavras se formem e tomem sentido, se organizem de modo a serem fala simples e imediata dá-me tempo para reconhecer meu corpo esquecido algures na treva duma memória que eu tento esvaziar. Dá-me Tempo para aperceber de novo a falsidade dos espelhos, e de novo construir a minha sombra, o meu reflexo, a minha solidão. Dá-me Tempo, Tempo infinito para que a voz cresça e se transforme em canto. Tempo, quero Tempo, para redescobrir a dor.”

Al Berto, Diários


quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Às pessoas fingidas


Perder tempo com pessoas erradas, é o apanágio da minha existência. Um tempo que me é irrecuperável e que podia investir tanto nas pessoas certas, como num prazer solipsista qualquer.

Dar crédito a pessoas que não demonstram interesse ou não retribuem a cortesia é um ciclo de pura estupidez e completamente opcional.

Não sei, por que razão teimo em acreditar, que sou capaz de criar amizades sustentáveis, com a expectativa, sempre apelativa de que estariam dispostas a fazer por mim o que eu, prontamente, faria por elas?!

Graças a estas pessoas de “faz de conta”, de contínua hipocrisia e de sentimento fingido, pessoas de momentos, de promessas vazias e de falso galanteio, vou acumulando conhecimentos e tirando notas, para mais tarde poder decidir sobre a personalidade de alguém que me coloque na mesma inquietação.

Não me tenho como perfeita, e estou longe da ser a melhor pessoa do mundo, mas condeno severamente quem se faz passar por superior e com mentiras (cujas verdades já conheço) desvairadas e astuciosamente entregues.

Não podemos depender da amizade dos outros, simplesmente porque o conceito de amizade desgastou-se, perdeu o significado, deixou de ter espaço, tornou-se inconveniente e incómoda, pronta a ser usada apenas quando lhes convém.

Eu insisto e persisto em acarinhar quem gosto, eu peço desculpa, eu digo por favor, eu agradeço o tempo que me dedicam e preocupo-me genuinamente com o seu bem-estar, porém quando vejo que é num sentido unilateral, desisto e o desapego instala-se para sempre. Sou de amizade irrecuperável.

E depois desta exposição e num ato bem refletido, como um balanço que se faz, vou eliminar alguns contactos sem lhes conceder o direito à devida advertência, apenas o silêncio que me oferecem, mas em dobro!

E sim, faz-me sentir bem melhor!


domingo, 30 de outubro de 2016

This is love

Eram seis da manhã, quando o sol timidamente começou a trepar as paredes de pedra, do número vinte, da Rua do Gaulês.
Um melro voava, com um punhado de minhocas no bico, até ao beiral da casa, onde fizera o seu ninho e tivera as suas crias, que o esperavam de bico aberto, famintas.

Sofia e Beatriz dormiam ainda. Dedos entrelaçados, como contas de um rosário. Nas almofadas, os cabelos longos e escuros de Sofia, emaranhados nos loiros caracóis de Beatriz. Dissolviam-se.
A perna, de curvas arredondadas e tez bronzeada de Sofia, estava ligeiramente fletida, descoberta sobre o lençol amarrotado, a noite havia sido quente, as temperaturas de Verão andavam ao rubro.

O despertador tocou.
Não foi um toque de despertar, era Sábado e nenhuma das duas trabalhava. Foi um toque de lembrete. Um lembrete especial. Um lembrete que era necessário soar àquela hora da manhã.
Beatriz silenciou-o antes que Sofia despertasse. Levantou-se sub-repticiamente e pôs a tocar no gira-discos Chris Isaak - Wicked Game, a música que as uniu, que as envolveu numa noite que mudaria as suas vidas por completo numa realidade de felicidade.

Sofia abriu os olhos e fixou-se nos movimentos de Beatriz, balançando as ancas, braços no ar, deixando-se levar pela música, expondo toda a sua sensualidade. Rodopiava como uma bailarina, gestos elegantes, ponderados, olhar provocador, sorriso liquefeito ao canto da boca, exibindo os dentes brancos e simetricamente alinhados.

Sofia sorria de modo lânguido e tímido, insinuando a aceitação da provocação e sustentando-lhe o olhar. Sem palavras comunicavam.
Um oceano efervescente de sensações tomava lugar ali mesmo, no quarto do número vinte, de cuja janela emanava uma claridade ténue, refletida no brilho dos seus olhos.

Sofia ergue o seu corpo da cama e caminha na direção de Beatriz em movimentos ondulantes, arrastados, lentos, deslizando como uma gueixa, os olhos a sorrirem.
Estando já perto, Beatriz agarra-a, puxa-a para si e de repente Sofia sente a frieza da parede contra as suas costas. Beija-a num ímpeto de ousadia desavergonhada e deixam-se entranhar pelo desejo secretamente anunciado.

Beatriz descia com avidez pelo corpo esguio e franzino de Sofia, disseminando beijos molhados de forma cadenciada, causando arrepios, numa exultação sublime ao amor e iniciando a cópula mais longa e deliciosa desde o dia em que se haviam juntado.

A respiração de Sofia aumentava o seu ritmo, perdida nos ombros redondos e cheirosos de Beatriz, a impaciência a crescer-lhe no peito, ansiosa de lhe poder tocar, no entanto, Sofia manipulava-a, usava-a, prendia-a, fazia-a voltar-se sobre si própria, os mamilos a tocar a parede fria, um arquejo de prazer a abeirar-se de um gemido quase inaudível morre-lhe nos lábios.
O corpo ardia-lhe de prazer, a sofreguidão com que Beatriz a consumia fazia-lhe o coração ribombar como um tambor a ecoar numa floresta.

Sofia correspondia com entusiasmo, obedecendo, deixando-se posicionar, abraçando-a com as pernas, contorcendo-se como uma acrobata em perfeita forma física.
Os cabelos macios a tocar-lhe o ventre, Sofia conseguia sentir o cheiro harmonioso que deles se desprendia, agarrava o lençol com os dedos pressionados, muito juntos e arfava, não conseguindo conter a emoção.

Deitadas de novo na cama, os corpos num torpor, desgastados, relaxados, Beatriz desliza o rosto até ao ouvido de Sofia e sussurra-lhe Parabéns.


domingo, 23 de outubro de 2016

Lost on you - Laura Pergolizzi


Esta música foi-me apresentada por alguém com refinados gostos musicais, na altura nunca a tinha ouvido, mas agora está em tudo que é rádio e depressa se vai gastar, vai perder todo o significado, pois tudo que é comercial, cansa.
No entanto, enquanto isso não acontece, desfruta-se do prazer que acarreta.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Outono


“Aqui e ali, nas árvores, subsistem algumas folhas e eu detenho-me, muitas vezes, pensativo, diante delas. Contemplo uma folha e a ela ato a minha esperança. Quando o vento brinca com ela, estremeço com todo o meu ser. E se ela cai, ai de mim, a minha esperança cai com ela.”


Schubert

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Hardest Of Hearts



Uma coisa é ouvir esta música, outra coisa é senti-la e compreender o poema. Por esta razão, optei pela versão legendada, assim não se perde nada e até se pode refutar o tema.

O coração tem uma linguagem própria, tão camuflada que por vezes nem nós mesmos entendemos o que nos está a dizer.
E para quem tem dificuldades no entendimento desta linguagem, pode tirar daqui algumas evidências.

Quem pode negar, que há amor dentro de nós, que não conseguimos abafar, controlar e que de alguma forma ele acaba por se denunciar, denunciando-nos em gestos, olhares, toques, frases?

Quem pode negar, que o amor mais doce deixa marcas profundas, enraizadas no mais íntimo de cada um de nós?

Quem pode negar, que um beijo desejado, mas inesperado pode virar o nosso mundo ao contrário?

Quem pode negar, o número de vezes que queremos dizer a alguém o quanto gostamos dessa pessoa e nos fica preso na garganta de tal modo, que quando o vamos dizer sai algo totalmente inusitado e disperso? No entanto, fica em “loop” na nossa cabeça, a endoidecer-nos, a corroer-nos de dentro para fora.

E estas emoções recalcadas, estas palavras por dizer, tornam-se numa amarga angústia, um peso no peito, um medo de serem descobertas, expostas e não correspondidas.

E quando por fim descobrimos que essa pessoa sente por nós o que sentimos por ela, constatamos como fomos tontas e como nos deixamos paralisar por conjeturas do nosso próprio cérebro. É surreal!

E perdemos um tempo fabuloso a negligenciar o coração, quando podíamos viver uma paixão, ou um amor intenso que nos faria renascer sob outro registo que não o habitual.



quarta-feira, 19 de outubro de 2016

A entrega (a emoções)


Já me entreguei algumas vezes. Não porque me seja fácil fazê-lo, mas, porque sei que, negando-me à vontade de me entregar, perco intensos momentos de felicidade, de paixão e de cumplicidade.

Se eu sei que essa pessoa tem a capacidade de me fazer feliz, eu quero sentir isso mesmo e lanço-me sem medo, aplicando fortes rédeas à expectativa e convicta de que tenho de contribuir para esse estado de graça que é a felicidade aliada à paixão, nunca passando por um estado de vulnerabilidade.

Estar apaixonada, não é estar vulnerável nem dependente.

Estar apaixonada é querer estar perto da pessoa que nos faz andar nas nuvens, é desejar fazer essa pessoa sentir-se também nas nuvens, é partilhar um sentimento que nos é comum, até na intensidade.

Compreendo que para muitas pessoas o medo da entrega passa por relações anteriores, em que de alguma forma não foram correspondidos ou até foram, mas em determinada altura, findo o prazo de durabilidade, houve sofrimento. Um sofrimento marcante e difícil de superar.
O que não compreendo, é que fiquem agarrados a essa forma finita de analisar uma relação e se coíbam de viver o início de outra relação. Como é possível, descartar o bem que alguém nos pode fazer sentir, apenas baseado no medo de uma ou até mais experiências anteriores?

Afinal, não é nosso propósito na vida, procurar ser feliz?!

Não importa se vou ser feliz por duas horas, duas semanas, dois meses, 20 anos. Isso não me impede de o desejar, de procurar ser feliz e estar contente ao lado de alguém que, garantidamente admiro e desejo. A mim importa-me o presente. Do futuro, nada sei e do passado apenas reza a história. Raramente penso, se o meu presente está a delinear o meu futuro, ou se brevemente ou abruptamente, se transformará no meu passado recente. Aconteça da forma que acontecer, eu terei sempre uma história gravada em mim, é a minha história pessoal, aquela de que não tive medo e arrisquei, vivi, mesmo sabendo que haveria um certo dano colateral negativo.

Quem não se permite a entrega, a paixão não terá deceções, mas também não terá emoções positivas, alegrias, partilhas que são tão boas de ter, especialmente com alguém que nos quer bem.

Nós não somos coisas e como tal, há medos que nos são comuns, quando estamos numa relação, tal como o medo de sermos substituídos, o medo de não estarmos à altura, o medo de não sermos tão interessantes como pensávamos ser, as inseguranças, o ciúme…

Todos nós sentimos isto, é apanágio de quem se sente atraído por alguém, é algo que deve ser exposto, trabalhado e tranquilizado.

O amor, e a paixão fazem-se de respeito pelo outro, de um cuidar com reciprocidade, de um encurtamento de distâncias, de um contacto com maior proximidade na comunicação, de presença, de não deixar o outro à deriva, interessar-se até pelas minudências da sua existência.

A entrega faz-se focada num início e não num fim já delineado. É necessário deixar correr o tempo e aproveitar cada momento bom que daí advém.
No caso de correr mal, fica-nos a lição e um arquétipo de aspetos a evitar numa próxima relação.

Deixar de viver intensamente por medo, isso não está certo! É cobardia.

Temos que nos preocupar menos com aquilo que devemos ser e mais com aquilo que verdadeiramente somos e quem gosta de nós desta exata forma, tem o poder de nos fazer feliz em todos os gestos.

Não quero observar a minha vida por uma janela, ou menos ainda, pelo buraco da fechadura. Quero abrir as portas e as janelas e deixar o sol entrar, aquecendo-me o coração, fazendo abortar angústias exasperadas, apreciando a beleza do mundo na companhia de uma pessoa em particular.


quinta-feira, 13 de outubro de 2016

"A idealização do amor"

“Eu estava a pensar na forma como se poderá entender o amor, à luz da minha formação. Da minha perspectiva, depende daquilo que o outro representa, se o outro é um prolongamento nosso, é uma parte nossa, como acontece muitas vezes, ou é uma idealização do eu de que falaria o Freud. No sentido psicanalítico poder-se-ia dizer que o amor corresponde ao eu ideal e, portanto, à procura de qualquer coisa de ideal que nós colocamos através de um mecanismo de identificação projectiva no outro. 

Portanto, à luz de uma perspectiva científica, como é apesar de tudo a psicanalítica, o problema começa a pôr-se de uma forma um bocado diferente. Nesse sentido e na medida em que o objecto amado é sempre idealizado e nunca é um objectivo real, a gente, de facto, nunca se está a relacionar com pessoas reais, estamos sempre a relacionarmo-nos com pessoas ideias e com fantasmas. A gente vive, de facto, num mundo de fantasmas: os amigos são fantasmas que têm para nós determinada configuração, ou os pais, ou os filhos, etc. 

(...) O amor é uma coisa que tem que tem que ver de tal forma com todo um mundo de fantasmas, com todo um mundo irreal, com todo um mundo inventado que nós carregamos connosco desde a infância, que até poderá haver, eventualmente, amor sem objecto. O amor não será, assim, necessariamente, uma luta corpo a corpo, ou uma luta corporal, mas pode ter que ver realmente com outras coisas, uma idealização, um desejo de encontrar qualquer coisa de perdido, nosso, que é normalmente isso que se passa, no amor neurótico, ou mesmo não neurótico. Quer dizer, é a procura de encontrarmos qualquer coisa que a nós nos falta e que tentamos encontrar no outro e nesse caso tem muito mais que ver connosco do que com a outra pessoa. Normalmente, isso passa-se assim e também não vejo que seja mau que, de facto, se passe assim. “

António Lobo Antunes, in "Diário Popular (1979)"



segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Fascínio irresistível

Apaixono-me com facilidade, fui sempre assim e não consigo evitá-lo. Apaixono-me por cores, por sapatos, por perfumes, por gatos, por cães, por pessoas, por intelectos, por objetos, por livros, por palavras, por músicas…

Hoje apaixonei-me.

Apaixonei-me por uma pele branca, nívea, enfeitada de forma muito natural por umas sardas, simetricamente colocadas. Uma pele maravilhosa, sem a mínima imperfeição. Um quadro perfeito, sob uma exatidão luminosa, avassaladora.

Não conseguia desviar o olhar, sentia-me como se tivesse que me despedir das cores da Primavera, sabendo que ela não mais voltaria.

Rondei, observei de todas as perspetivas possíveis, senti-lhe o perfume (quase me arrancou a alma de tão aprazível) e desejei mais...

Aproximei-me e num impulso vigoroso, meti conversa.

Fui bem acolhida, e de imediato despoletei sorrisos e que sorriso! Que dentes brancos como a neve! E os olhos?! Inacreditável! Como pode sobejar tanta beleza numa só pessoa?!

Olhos cinza claros, intensos, eles próprios pincelados com uma pinta aqui e outra ali, duas janelas para um universo privado e incomensurável no qual desejei mergulhar sem restrições.

E a voz?! Que voz firme e bem colocada, sem pronúncia (a do norte), elaborada, cadenciada, lasciva…

Que feições perfeitas, que ar tão arrebatador, toda a sua figura exala um tom pacifico, acolhedor, delicado, uma simpatia inata e expectável. 

(a primeira letra do seu nome) A. é mais uma pessoa bonita por dentro e por fora, um daqueles seres muito raros que nos encantam e se deixam encantar por nós.
E guardo tudo isto e muito mais, na penumbra obtusa do meu pensamento e fascinada, dou largas à imaginação, colecionando paixões platónicas, fantasmas que me deixam acordada a ruminar sentimentos infernais.


domingo, 9 de outubro de 2016

Abraça-me


 "Abraça-me. Abraça-me. Quero ouvir o vento que vem da tua pele, e ver o sol nascer do intenso calor dos nossos corpos. Quando me perfumo assim, em ti, nada existe a não ser este relâmpago feliz, esta maçã azul que foi colhida na palidez de todos os caminhos, e que ambos mordemos para provar o sabor que tem a carne incandescente das estrelas. Abraça-me. Veste o meu corpo de ti, para que em ti eu possa buscar o sentido dos sentidos, o sentido da vida. Procura-me com os teus antigos braços de criança, para desamarrar em mim a eternidade, essa soma formidável de todos os momentos livres que a um e a outro pertenceram. Abraça-me. Quero morrer de ti em mim, espantado de amor. Dá-me a beber, antes, a água dos teus beijos, para que possa levá-la comigo e oferecê-la aos astros pequeninos. 
Só essa água fará reconhecer o mais profundo, o mais intenso amor do universo, e eu quero que dele fiquem a saber até as estrelas mais antigas e brilhantes. 
Abraça-me. Uma vez só. Uma vez mais. 
Uma vez que nem sei se tu existes." 

Joaquim Pessoa, in 'Ano Comum'


quarta-feira, 5 de outubro de 2016

A implantação da República

 E eis, o ansiado feriado, recuperado pelo atual governo, apelidado carinhosamente pela oposição como, geringonça.

Atualmente devia ser designado como: implantação da república dos bananas!

A verdade é que, volvido um ano, a geringonça continua a governar e cada vez com menos “linhas vermelhas” do que aquelas que inicialmente pareciam obstar a esta aliança.

Hoje é dia de grandes discursos. É dia de motivar a gentalha, incentivar a fé na mudança que tarda em chegar.

Hoje, tudo é saldo positivo, é dia de festa que é o que o povo mais gosta, é dia de não trabalhar (exceto para alguns), é dia de estar com a família (quem a tiver) é dia de encher as ruas de carros a circular a 30 km/h irritando quem leva pressa e não tem o dia para gastar.

Hoje é dia de manifestar a inércia política do país e a inércia de cada um dos transeuntes com quem me vou cruzar na rua e no trabalho.

Hoje é dia de comemorar um feito político de enorme importância, como não houve ou haverá outro. Nós somos um país que vive do passado e no passado e talvez seja essa a razão pela qual não evoluímos. Valorizar o passado sem modificar o presente, não nos garante o futuro que, desavergonhadamente nos prometem.

Uma história com 106 anos, sobre a qual, ano após ano, se escrevem rios de tinta, sem qualquer efeito no estado atual da governação portuguesa.


terça-feira, 4 de outubro de 2016

Dualidade

O meu mundo oscila entre o que sinto desmesuradamente e o que negligencio propositadamente.

Vivo num conflito eterno comigo mesma. Às vezes, até parece que tenho um Diabo no ombro esquerdo e um Anjo no ombro direito a sussurrarem coisas diferentes ao meu ouvido. Um destila veneno o outro lança o antídoto.

Ao sair de mim mesma, sou o espectro daquilo que fui, pairo sobre mim, impotente. Quero comunicar comigo mesma, mas não sou visível ao meu outro eu. É como se eu viesse de um futuro não distante, acautelar o meu eu do presente relativamente a algo que me é importante e cuja solução descobri, irremediavelmente, tarde.

Vou descalça, a noite é fria e escura, a lua ilumina mal a penumbra, as árvores curvam-se quando me aproximo, estou numa floresta, oiço o quebrar das folhas secas sob o meu peso, pés gélidos e húmidos, o bafo do orvalho esbate-se no meu; ofegante, procuro um trilho que me conduza de volta ao casario, mas não vejo nada. As árvores parecem fechar-se num círculo à minha volta, ao longe ouve-se um uivo de uma qualquer, amarga e infeliz, criatura e depois um cão a latir.
  De novo, o silêncio intrépido, rasgado pelo ruído das folhas sob os meus pés, como um protesto não resignado. Um sinal que me identifica, uma inquietude, uma impaciência, um inconformismo evitando o mundano, quando há tanto de mundano em mim.
Sentei-me, enrolei-me sobre mim mesma e deixei-me acolher nos braços frios da noite.

Fiquei ali quieta, desperta, atenta, aterrada, o coração a ribombar, como sinos a rebate, à espera da luz do dia.


O dia nasce e com ele todo o mistério é desvendado. Eu regresso à vida e constato que nunca saíra do meu quarto.

Mundo Desconcertado

As vozes não cessam, dentro da minha cabeça, a angústia queima-me o peito, tenho ganas de me afundar em águas profundas à procura do momento em que tudo para, em que o ruído, como um espasmo, cesse e eu possa pensar com clareza.

Gostava de me redimensionar, de ter o poder de fazer tábua rasa de toda uma vida e ter o ensejo de recomeçar, de finalmente me libertar de todos os meus medos, dos preconceitos e ter a coragem estoica de traçar um rumo diferente, viver sem apego, estar genuinamente contente, conhecer o significado da felicidade, partilhá-la. Porém, pode aquela que se aborrece de si própria, dar amor a alguém, dar conforto, fiabilidade, estabilidade e equilíbrio?  

Há em mim um vazio impreenchível, uma necessidade intraduzível, uma esperança olvidada, uma crença desmoronada, um ténue fio de expectativa em combate, nas brumas de uma escuridão noturna que, mais não é, do que uma simples ausência de luz.
Estou aqui, o meu corpo está aqui, mas eu estou ausente, estou num plano transcendente, numa paz fictícia, lá muito longe, num mundo de ideias, de vozes que são minhas, que jorram dentro de mim como espectros à luz de uma lua cheia.


É ao entardecer que liberto os meus demónios, quando o dia chega ao fim dobro-me numa posição fetal e indolente, deixo-me aconchegar pelo universo, num manto de estrelas, todas elas feitas de pó, voláteis como os sonhos.  

A Angústia

Uma indolência cósmica, quase analgésica, curvou-se sobre mim, cercou-me como um nevoeiro que não conhece limites, nem pede licença, instalando em mim uma anarquia de sentimentos, cujo significado ignoro, abomino, desprezo.

Esta insatisfação constante, o aborrecimento que os outros me causam, a náusea verborreica dos desgraçados, eternos desfavorecidos pelo destino, acossados pela inércia da sua própria vida, encurralados na toxicidade das suas limitações. Quero exalá-los de mim, arrancá-los da minha presença, quero a diferença, quero o arrojo, quero banhar-me na loucura de um qualquer ser sublime, que me arrebate, me surpreenda e declare que a felicidade é utópica, é irreal, ilusória, tão ilusória como a linha do horizonte, que parece estar lá, toda pomposa e definida, para ser alcançada por um bando de estultos crentes.

Quero o universo explosivo das supernovas, quero o silêncio dos tambores, quero o ribombar da trovoada forte que pinta a noite em raios de luz e faz a terra estremecer. Quero imolar a apatia, pisar a sua sombra gelatinosa, quero rasgar o meu poema preferido e soltar os pedaços ao vento no topo de uma montanha.

Quero saber quando chegas e porque vens.

Quero saber se falta muito para me ir embora.