Eram
seis da manhã, quando o sol timidamente começou a trepar as paredes de pedra,
do número vinte, da Rua do Gaulês.
Um
melro voava, com um punhado de minhocas no bico, até ao beiral da casa, onde
fizera o seu ninho e tivera as suas crias, que o esperavam de bico aberto, famintas.
Sofia
e Beatriz dormiam ainda. Dedos entrelaçados, como contas de um rosário. Nas
almofadas, os cabelos longos e escuros de Sofia, emaranhados nos loiros
caracóis de Beatriz. Dissolviam-se.
A
perna, de curvas arredondadas e tez bronzeada de Sofia, estava ligeiramente fletida,
descoberta sobre o lençol amarrotado, a noite havia sido quente, as
temperaturas de Verão andavam ao rubro.
O
despertador tocou.
Não
foi um toque de despertar, era Sábado e nenhuma das duas trabalhava. Foi um
toque de lembrete. Um lembrete especial. Um lembrete que era necessário soar
àquela hora da manhã.
Beatriz
silenciou-o antes que Sofia despertasse. Levantou-se sub-repticiamente e pôs a
tocar no gira-discos Chris Isaak - Wicked Game, a música que as uniu,
que as envolveu numa noite que mudaria as suas vidas por completo numa
realidade de felicidade.
Sofia
abriu os olhos e fixou-se nos movimentos de Beatriz, balançando as ancas,
braços no ar, deixando-se levar pela música, expondo toda a sua sensualidade.
Rodopiava como uma bailarina, gestos elegantes, ponderados, olhar provocador,
sorriso liquefeito ao canto da boca, exibindo os dentes brancos e simetricamente
alinhados.
Sofia
sorria de modo lânguido e tímido, insinuando a aceitação da provocação e
sustentando-lhe o olhar. Sem palavras comunicavam.
Um
oceano efervescente de sensações tomava lugar ali mesmo, no quarto do número
vinte, de cuja janela emanava uma claridade ténue, refletida no brilho dos seus
olhos.
Sofia
ergue o seu corpo da cama e caminha na direção de Beatriz em movimentos
ondulantes, arrastados, lentos, deslizando como uma gueixa, os olhos a
sorrirem.
Estando
já perto, Beatriz agarra-a, puxa-a para si e de repente Sofia sente a frieza da
parede contra as suas costas. Beija-a num ímpeto de ousadia desavergonhada e
deixam-se entranhar pelo desejo secretamente anunciado.
Beatriz
descia com avidez pelo corpo esguio e franzino de Sofia, disseminando beijos
molhados de forma cadenciada, causando arrepios, numa exultação sublime ao amor
e iniciando a cópula mais longa e deliciosa desde o dia em que se haviam
juntado.
A
respiração de Sofia aumentava o seu ritmo, perdida nos ombros redondos e
cheirosos de Beatriz, a impaciência a crescer-lhe no peito, ansiosa de lhe
poder tocar, no entanto, Sofia manipulava-a, usava-a, prendia-a, fazia-a
voltar-se sobre si própria, os mamilos a tocar a parede fria, um arquejo de
prazer a abeirar-se de um gemido quase inaudível morre-lhe nos lábios.
O
corpo ardia-lhe de prazer, a sofreguidão com que Beatriz a consumia fazia-lhe o
coração ribombar como um tambor a ecoar numa floresta.
Sofia
correspondia com entusiasmo, obedecendo, deixando-se posicionar, abraçando-a
com as pernas, contorcendo-se como uma acrobata em perfeita forma física.
Os
cabelos macios a tocar-lhe o ventre, Sofia conseguia sentir o cheiro harmonioso
que deles se desprendia, agarrava o lençol com os dedos pressionados, muito
juntos e arfava, não conseguindo conter a emoção.
Deitadas
de novo na cama, os corpos num torpor, desgastados, relaxados, Beatriz desliza
o rosto até ao ouvido de Sofia e sussurra-lhe Parabéns.